O esporte revelou campeões entre as crianças e adolescentes da cidade. Tudo isso foi possível graças ao trabalho de uma ONG
No xadrez, o peão é a única peça do tabuleiro que se movimenta somente para a frente. Na Estrutural, crianças e adolescentes, inspirados nas regras desse jogo, também têm dado passos largos adiante. Desde 2011, o Coletivo da Cidade proporciona, além de outras atividades, aulas de xadrez para a comunidade da região administrativa conhecida por ter o maior lixão a céu aberto da América Latina.
Em agosto deste ano, um dos jovens da ONG venceu três das quatro partidas da 4ª etapa do Festival Interescolar de Xadrez e ficou em segundo lugar no torneio. Gabriel do Amaral, 14 anos, deixou para trás garotos que estudam nas melhores escolas particulares e praticam xadrez há muito mais tempo.
Ele conheceu o esporte (sim, xadrez é uma prática esportiva) em 2013. De lá para cá, ele já participou de cinco campeonatos no Distrito Federal e desenvolveu um sonho: tornar-se um grande mestre – título vitalício concedido pela Federação Internacional de Xadrez aos jogadores profissionais.
“Quero levar o xadrez para a minha vida no futuro”, comentou Amaral, timidamente. E o adolescente não se contenta apenas com as práticas nos encontros semanais do projeto. Em casa, ele divide suas horas de lazer com vídeos no Youtube sobre o jogo e em partidas on-line. “Gosto dos desafios e de aprender a teoria para melhorar o meu desempenho.”
O jovem é um dos muitos que adotaram o xadrez como prática preferida entre as oferecidas pelo Coletivo da Cidade.
Às terças e às sextas-feiras, meninas e meninos de todas as idades se reúnem em torno de mesas e de um quadro negro para desvendar as infinitas possibilidades de jogadas e de estratégias. Ao lado deles, João Henrique de Oliveira, 28, partilha a sua paixão pelo jogo e incentiva a meninada a enxergar o esporte como forma de mudança.
Desde a fundação do coletivo, Oliveira transmite seu encantamento pelo tabuleiro quadriculado à garotada da ONG. Conhecido por dar aulas de xadrez e de robótica em escolas particulares da capital, o professor tem desmistificado o jogo – visto por muitos como uma atividade elitizada – nas comunidades periféricas.
“Quando falo sobre essa prática, gosto de citar uma frase de um grande mestre russo: ‘O xadrez, assim como o amor e a música, tem o poder de fazer o homem feliz’”, comentou Oliveira. Sem dúvida, o xadrez fez do professor uma pessoa mais realizada. Durante a entrevista, ele não se cansou de enumerar os benefícios do jogo e o potencial transformador dessa atividade milenar.
Atenção e paciência foram apenas algumas das habilidades mencionadas. “Às vezes, precisamos sacrificar uma peça para vencer o jogo. E na vida também é assim. Os ensinamentos do xadrez acabam sendo incorporados ao nosso dia a dia”, acrescentou Oliveira.
As crianças comprovam o pensamento do professor. “Comecei a praticar em fevereiro e percebi que estou mais calmo e atento”, comentou Jhonata Silva, 15, que foi influenciado por Amaral a praticar o xadrez.
“As meninas e os meninos que fazem xadrez aqui passam a confiar mais neles. Olha só o Gabriel. Nas horas livres, ele está na biblioteca lendo sobre o esporte. Não há dúvidas de que é uma prática empoderadora“